quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Pisei na bola e fiquei feliz

Pois veja o que é morar sozinha em Brasília, cuidar de filho por sua conta e ter que planejar com dias de antecedência qualquer programação além do expediente...

Hoje, exatamente 27 de fevereiro, justamente eu, a politicamente correta - que cuida seus mínimos passos e se remói de culpa a cada suspiro errado - abri o MSN no trabalho, o que é supostamente proibido, e aceitei o convite de um mocinho para um caldinho. Uma sopinha lá mesmo na redondezas.

A promessa era de voltar pra casa até as oito e meia e liberar o pai da criança, que chegara na cidade aquele dia. Mas eu, a certinha inveterada, a que ninguém se sente à vontade pra dar bronca, pisou na bola e voltou pra lá das dez. Tomei bronca sim, por telefone, quando tentei explicar o atraso. E foi uma bronca justa! Você tem toda a razão. Apesar disso, fiquei feliz por ter feito o que eu queria, ter permitido o momento acontecer, ter feito exatamente aquilo que julguei melhor unicamente para mim.

Choviam cântaros no caminho de volta. Mas as luzes brancas e amarelas dos postes iluminaram meus pensamentos, levemente alcoolizados pelo vinho tinto. Me ajudaram a compreender o seguinte: eu não preciso me preocupar além da conta, eu posso deixar a vida fluir mais solta; tudo vai ser diferente se eu conseguir enxergar sob uma nova perspectiva.

Então, agora, na frente do computador, me ocorre outra coisa também interessante: esse mocinho que me intriga, o pai do meu filho que me esperou por duas horas e não me deu bronca pessoalmente, o meu filho que estava dormindo quando eu cheguei, todos, todos mesmo, tem uma vida própria, e não me devem satisfação. Apesar de estarem irremediavelmente na minha vida neste momento e para sempre, eles sabem o que eu ainda estou por descobrir.

O amor deles por mim acontece exatamente nos momentos em que sou menos amável. Eles sabem e agora acho que também sei, por que o meu amor por eles não é diferente. Gosto deles e me preocupo mais com eles exatamente nos momentos em que não os domino, não os tenho ou não os compreendo. Gosto mais deles enquanto manifestam aquilo que ainda não sei.

Gostaria de acordar amanhã renovada, como se a lição tivesse sido definitivamente aprendida. Mas desconfio de que ainda vou ter que ir e vir muitas vezes até que a nova perspectiva se solidifique. Desconfio que amanhã terei ressaca do vinho.

Dentro dessa noite feliz e agora calada me pergunto: quem poderá me acompanhar depois dessa mudança? Quem ainda verá valor em mim, depois que eu assuma a minha mais aguda incoerência?

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Surpresas do sexo oposto

Anteontem, depois de três e-mails, dois telefonemas e um torpedo, saí direto do trabalho para tomar uma cerveja com o Pulga*. O lugar escolhido foi agradável, o papo cativante, o caminho relaxante. Na despedida, ganhei o primeiro beijo - de tchau - tão intenso e violento que deixou minha boca toda arranhada. Desceu, acenou adeus sorrindo e nunca mais eu soube dele. Os homens sabem ser surpreendentes!

Tempo da Incerteza

Contra as minhas expectativas os quase 35 se apresentam como tempo de incertezas. Tudo o que foi plantado, germinou e foi colhido. Agora a terra está de novo nua, esperando semente das minhas mãos, e o ciclo de sol e chuva em que eu não mando.

Mas como não é possível desconstruir todo o passado - apenas partes dele vão se desmontando, abrindo espaços - não voltarei aos 20 anos, ao frescor e aos sonhos do passado. Meu corpo não perderá a memória de ter sido fecundado pelo tempo, pelos livros, por um homem, pelo sol que me castigou na estrada. Fica o filho, fica o olhar mais amansado sobre o mundo, fica uma certa calma de quem já pode ver a vida como mais que a soma de todos os seus momentos.

Jogar novas sementes na terra nua, esperar que faça sol e chova, pra que chegue o tempo de uma nova colheita. Enquanto isso, educar o filho, cuidar da casa, pintar os cabelos, viver os momentos ainda desconexos, que darão forma a um novo futuro. Sem esperar nada de concreto, deixando aberta a porta que trás e que leva embora por que, afinal, esse é o tempo da incerteza.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Reencontro com o mar e amar

V. Ovchinnikov. A girl and waves. 1958.
http://www.leningradartist.com/


Depois de vários capotes, de engolir muita água salgada e ficar de olhos ardidos; depois de dormir na praia sem protetor e ficar bicolor; depois de ser queimada por água viva e arrastada pela correnteza pro fundo, pro lado, pro centro, pra dentro; depois de tudo que ele já me fez, continuo a amar o mar. Enorme, maravilhoso, constante em suas marés. Mesmo sendo imprevisível, indomável e te arrastando contra a vontade; cura dor de garganta, cicatriza a ferida, acalma com a sonoridade, a cor e o perfume que só ele tem. O mar pra mim lembra amar.