Ainda escuto o toque de recolher de Pinochet. De dentro da barriga. De dentro da incubadora. De dentro dos braços de minha mãe. Histórias contadas - de que não me lembro - impressas em mim como pegadas no cimento úmido. Eu estava lá. Eu nasci em 73, 5 dias após o golpe.
Houve um tempo em que eu sonhava que dormia dentro de um buraco na parede. Um buraco onde só cabia o meu corpo deitado. Seria algum tipo de prisão, que ainda precisava vazar do meu íntimo mais íntimo?
Por tudo que vi, ouvi e vivi, desconfio da liberdade. A cada dia ela precisa ser reinventada. Pego as chaves, ensaio destrancar o cadeado e volto atrás. Pego as chaves, destranco e vou pelo mundo. Porém, sem esquecer o caminho de volta a minha cela.
A liberdade existe? É uma utopia? Uma loucura irreversível? Deixo-me arrebatar. Ela me apaixona, mas não me corresponde. Por que eu desconfio dela.
Ressaca do réveillon
Há 5 anos
2 comentários:
"Por tudo que vi, ouvi e vivi, desconfio da liberdade. A cada dia ela precisa ser reinventada."
É impressionante como as cicatrizes de um corpo marcado pela ditatura gritam por toda uma vida.
Caro Klotz, obrigada pela visita! Felizmente, o corpo não foi marcado, só o coração. Mas vc sabe de outros comentários atrás: depois de uma ou duas mortes a gente se acostuma. Se acostuma e não 'baixa a crista' nunca!!!
Beijos.
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