sábado, 29 de novembro de 2008

Sonhos tão inocentes

Eu namorava. Vivia o auge da paixão e fui jantar com o moço, um homem lindo, por sinal. Entre um beijo e outro ele me contou o sonho da noite anterior, que eu nunca mais esqueci. "Eu ia de bicicleta a um lugar que não me lembro, quando apareceu uma enorme cobra. Ela não me deixava passar. Era tão longa que eu não podia contornar. Eu estava preso".

Naquela noite não dormi bem, pois soube instantaneamente que a cobra do sonho era eu. Os dias que se seguiram confirmaram isso. Ele foi lentamente se revelando pra mim. Falando a verdade, desmanchando os sorrisos, me empurrando para fora. Eu fui andando pra trás e saindo. Não havia nada que eu pudesse fazer. Estava acabado.

Acredito que todas as pessoas têm dentro de si um serzinho invisível, que carrega uma lanterna e uma foice, e que sabe um pouco antes da nossa consciência, qual a nossa decisão final. Esse ser às vezes se comunica. Atravessa do sonho para a realidade, ou surge quando o corpo exausto já não domina bem a razão. Quando ele dá um veredicto, tudo se cala. Seu nome é intuição.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Outra vez, sem você

Pela milhonésima vez, estou parando de fumar. Não sei se ligo para R, pra perguntar o nome do remedinho que ele tomava pra parar de fumar e dizia assim: "supervejo passarinhos verdes". Esse remedinho talvez fosse uma boa...

Meu colega de sala está orando por mim. Ele torce pra que eu pare de novo. Da última vez, fiquei um ano sem fumar. Voltei em agosto, há três meses. Uma vez fumante, a coisa comigo é assim, quando tudo fica demais, o cigarro entra. Quando ouso fazer o que quero, ele sai.

Um dos problemas é que paro de fumar "cold turkey". Que raios é 'cold turkey?', você pode perguntar. É isso mesmo, peru frio, expressão inglesa que quer dizer sem adesivinho de nicotina, sem chicletes nojentos de nicotina, sem remedinhos. Pra citar o Ultrage a Rigor, que dá título a este blog, "eu me mordo, eu me rasgo, eu me acabo, eu faço bobagem".

O melhor de fumar é ter motivo pra sair da sala, do prédio, do saco do trabalho. Ter um momento para livre associação de idéias. Os fumantes compartilham isso. É por isso, e não só por que fumante fede, que fumante quase que só tem amigo fumante. O vício é solidário.

Então eu estou aqui, há 70 horas sem cigarro. Ainda, portanto, contando em horas. Amanhã ou depois passarei a contar os dias. Depois serão meses, pra poder, um dia, em fim, chegar a contar em anos. Eu nunca logrei contar em anos as minhas façanhas até aqui.

Meu pai diz que um fumante fica mais perto de abandonar definitivamente o vício a cada tentativa frustrada. Eu acho que ele está certo. Desta vez estou tendo menos abstinência, pois foram poucos meses de recaída. Mas, independente disso, o vício, pra mim, afeta mais o psicológico. Eu sofro 10 dias a abstinência química. Depois fica bem leve. Agora, aquela vontade de sair, de respirar ar novo, de distrair o pensamento, essa fica me tentando. Eu penso melhor do lado de fora das paredes do prédio.

A cidade de Brasília oferece um bom incentivo a parar de fumar. Aqui não se fuma em repartição pública, dentro do trabalho, em restaurante, boate ou bar. Só conheci uma casa noturna em Brasília que permitisse fumar (ok, conheço poucas casas noturnas em Brasília). No meu trabalho, por exemplo, se estiver chovendo, não existe área coberta que abrigue um fumante. Quer fumar, tome chuva! Os não-fumantes e a própria lei colocaram o cigarro em seu devido lugar. Lugar de vício decadente de pessoas que fumam ao relento.

Então é assim. O mundo segue, adaptando-se continuamente às mudanças internas do ser humano. Hoje mesmo, na maior cara de pau, impuz duas regras ao meu colega de sala: 1) nunca puxe conversa sobre cigarro comigo; 2) fale sobre cigarro comigo se eu puxar conversa. E a resposta muito fofa que ele deu, não sem me apontar um dedo, foi essa: claro que sim, faço tudo para o seu bem... agora, se voltar a fumar, volto a te pegar no pé. Ok, pelo menos fizemos um trato.

Quando alguém pára de fumar os amigos fumantes sempre perguntam: por que logo agora? Como se devesse haver uma resposta objetiva pra isso. Sei lá, o médico mandou ou estou doente ou descobri que o cigarro da câncer. Cada um tem suas razões. Faz algum tempo que eu venho colecionando as minhas. Primeiro por que fede, é decadente, emagrece e suja a pele. Também por que é dinheiro mal gasto. Depois por que o círculo dos fumantes anda cada vez menor e mais vicioso. Por último, por que eu sou o principal exemplo de um guri de quase 7 anos.

Será que dessa vez vai?

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Santa Catarina

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chuva barro barranco casas por cima de casas choram mães filhos homens mulheres são 54 mortos
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domingo, 23 de novembro de 2008

Planetário

Giro em torno de mim mesma: claridade e sombra alternadas. Nunca passo no mesmo ponto, mas sempre perto, quase na órbita.

Cometas habitam meu céu e se perdem pra voltar em oitenta anos. Meteoros arrancam luas do meu corpo. Ora vejo planetas, ora a luz me ofusca.

Tudo quase sempre igual, mas a mudança nunca cessa. Nesse meu pequeno mundo, o gelo polar se derrete, formam-se marés, tsunamis, furações, incêndios, enchentes.

Sou autônoma. Quase autônoma. Há, porém, um sol, que também se movimenta, que atrai e que alimenta minha natureza viva.

sábado, 15 de novembro de 2008

Sombra

Quando paro de fugir, ela deixa de me seguir.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Candanguinho

Você sabe que está criando um candanguinho se ele ri do seu erre paulista e morre de vergonha quando você diz que a perua chegou. Mamãe, todo mundo fala van. Van ou kombi. Kombi? Acho que nem se fabrica mais...

Ele já é um candango se não entende quando você manda fazer a lição. É dever! Quando deixa escapar um eita ou um mermo e ousa te chamar de tu.

Putz grila! Tu? Tu é o rabo do tatu, eu sou mamãe!!!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Verde para a alma

Fim de semana, sol ardeu, trilha cansou, nadei no rio São Bartolomeu, de água fria e quente em correntes. Entrei debaixo da cachoeira da Capivara.

Vi vereda, jatobá e jequitibá. Rastro de cobra, buraco de tatu, calango, rã colorida, tucano, arara, ninho de pato no buriti. Só não encontrei curupira e saci.

Conheci Kalungas catimbeiros e aprendi novas palavras. Comi frango caipira com pequi e outras iguarias goianas. Desencardi da poeira urbana.

Cavalcante. A cada encontro, parece maior e mais bela a Chapada.