domingo, 29 de março de 2009

Tanto faz

A emoção está na palavra e no silêncio. Transborda ou é contida. Tanto faz.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Os caras e eu

Lá no trabalho é assim. Meu vizinho da porta ao lado, sempre que viaja, traz chocolate, cocada, castanha de caju - nham, nham! Bate na porta, deixa na minha mesa, e me chama de jovem.

Na primeira semana, descobri que o vizinho da diagonal é irmão de um ex meu, dos maravilhosos tempos de solteirice em Sampa. Um é a cara do outro.

Meu colega de sala é católico e me chama de irmã. Jeito fácil de não trocar meu nome, dizem os mais céticos. Tem outro que me encontra na escada e me chama de fia. Tá tudo em família.

Tem também o meu guru, que vem trazer notícias sobre trabalho e dinheiro, ouvir meus resmungos e contar histórias do tempo dos bandeirantes. E também tem M, que é um doce, e foi comigo ao Paranoá, saber onde mora a candidata que eu contratei como secretária do meu lar.

Mas nem tudo é perfeito entre mim e os caras. Entre sujeitos tão legais, com quem trabalho e tenho amizade, tinha que ter alguém como o Bigou, não é?

domingo, 22 de março de 2009

E o assunto rende...


Angeli, Chiclete com Banana, Folha de São Paulo, 22 de março.

sábado, 21 de março de 2009

Par perfeito

Naquele dia ela não jogou na loteria, pois tinha muito o que fazer com o seu dia. Creme de chá-verde, corpo inteiro, pele macia. Do outro lado da cidade, ele acordou. Se olhou no espelho, cortou os pelos do nariz, vestiu o terno.

Cada um pegou seu carro. Cada um tomou seu rumo. Cada um recebeu uma cantada. Cada um participou de uma reunião. A certa altura, ela se lembrou da carinha linda dele. E ele, da carinha linda dela. Um dos dois, não sei quem foi, telefonou.

E se viram, ouviram, cheiraram, tocaram, comeram. Como se fosse a primeira vez. Como se fosse a última. Mas aí, meus amigos, retenham, um segundo, seus suspiros. Cada um tomou seu rumo, cada um cuidou da vida...

Ninguém ligou, ninguém cobrou. Pois os dois se conhecem bem, como a palma da mão esquerda.

domingo, 15 de março de 2009

Por causa de biscoitos

Três jovens vinham caminhando devagar e conversando, quando um quarto jovem de camisa vermelha chama pela moça do grupo. "Garotinha, quero ver a nota fiscal de tudo que vocês têm aí". Ela tenta desconversar, mas o moço da camisa vermelha fica firme. "Ontem eu não fiz nada, deixei você sair. Mas hoje eu quero a nota de tudo!"

A moça sai andando. O jovem da camisa vermelha, atrás. Ela pergunta se ele gravou o acontecido. Ele acena com a cabeça. "Mais um passo, eu chamo a polícia". Ela diz que não vai pagar por aquilo e arremessa os três pacotes de biscoito no gramado do meu prédio. Diz que ele chame a polícia e que prove o que ela fez.

Os três jovens saem andando. O moço da camisa vermelha recolhe os pacotes de biscoito do chão. Pára por um minuto, pensando o que fazer. Decide ir atrás deles. Ele caminha rápido e fala, nervoso, ao celular. Eu fico lá, assistindo à cena. Todos somem no meio da noite.

Eu poderia ter três pacotes de biscoito debaixo do braço e o coração a saltar da boca. Eu poderia vestir a camisa vermelha e zelar pelo patrimônio do estabelecimento. Mas nada tenho a ver com nenhuma das partes. Subo as escadas, me sento na cama do meu pequeno e penso na tarefa gigante que é educar alguém.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Pessoas parecidas comigo

Onde estão as pessoas parecidas comigo nesse mundo? Escondidas em casa, tomando vinho sozinhas? Esperando proposta tentadora? Será que as pessoas parecidas comigo estão aborrecidas com o trabalho? Com dor nas costas? Cansadas do próprio limite? Achando a vida boba? Entediadas na hora do almoço? A fim de comer outra coisa? Suponho que sim, ou não seriam pessoas parecidas comigo.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Pandora ou a invenção da mulher

"Mas as artimanhas da guerra entre Zeus e Prometeu não terminaram. Zeus escondeu o fogo, Prometeu o roubou; Zeus escondeu o trigo, os homens trabalham para ganhar seu pão. Contudo, Zeus ainda não está satisfeito, acha que o fracasso do adversário não é total. Zeus dá uma gargalhada, como gosta de fazer, e lhe reserva mais uma humilhação. Terceiro ato. (...)

A primeira mulher está ali, diante dos deuses e dos homens ainda reunidos. É uma estátua fabricada, mas não à imagem de uma mulher, posto que ainda não existe nenhuma. É a primeira mulher, o arquétipo da mulher. O feminino já existia, porquanto havia deusas. Essa criatura feminina é modelada como uma parthénos, à imagem das deusas imortais. Os deuses criaram um ser feito de argila e água, ao qual imprimem a força de um homem, sthénos, e a voz de um ser humano, phoné. Mas Hermes também põe em sua boca palavras mentirosas, dota-a de um espírito de cadela e de um temperamento de ladra. Essa estátua, que é a primeira mulher, da qual saiu toda a "raça das mulheres", tem uma aparência externa enganadora, tal como certas partes do touro sacrificado ou como o funcho. É impossível contemplá-la sem se sentir maravilhado. Ela possui a beleza das deusas imortais, sua aparência é divina. Hesíodo conta isso muito bem. Ficamos extasiados com sua beleza realçada pelas jóias, o diadema, o vestido e o véu. Dela irradia-se a Kháris, um charme infinito, um brilho que submerge e doma quem a vir. Sua kháris é infinita, múltipla, pollè kháris. Homens e deuses dobram-se ao seu encanto. Mas por dentro esconde-se outra coisa. Sua voz vai lhe permitir conversar e tornar-se a companheira do homem, seu dublê humano. Mas a palavra é dada a essa mulher não pra dizer a verdade e expressar seus sentimentos, e sim para contar mentiras e esconder suas emoções. (...)

Assim, ali está Pandora: luminosa como Afrodite, mas semelhante a uma filha de Noite; feita de mentiras e faceirice. Zeus não cria essa parthénos para os deuses, mas só para os mortais. Assim como se livrara da disputa e da violência enviando-as para os mortais, assim também Zeus lhes destina essa figura feminina. (...)

Por que, segundo os relatos gregos, Pandora, a primeira mulher, tem um espírito execrável e um temperamento de ladra? Isso tem a ver com as duas primeiras partes deste relato. Os homens já não dispõe naturalmente do trigo e do fogo como antes, sem esforço e em permanência. Agora, o trabalho faz parte de sua existência: levam uma vida difícil, apertada, precária. Têm que estar sempre pensando em restrições. (...) Ora, essa Pandora, como todo o génos, toda a "raça" das mulheres que dela sairá, tem justamente a característica de viver insatisfeita, sempre a reivindicar, incontinenti. Não se satisfaz com o pouco que existe. Quer se fartar, ter o máximo. (...) Não só devoram e esgotam todas as reservas, mas é essa a razão principal que leva a mulher a tentar seduzir um homem. O que ela quer é o celeiro. Com a habilidade de seu discurso sedutor, de seu espírito mentiroso, de seus sorrisos e de sua "anca empetecada", nas palavras de Hesíodo, ela faz para o jovem solteiro suas poses de sedutora, mas na verdade está de olho na reserva de trigo. E todo homem, como Epimeteu antes dele, fica boquiaberto, maravilhado com a sua aparência, e se deixa agarrar.

Se Prometeu urdiu uma artimanha para roubar o fogo de Zeus, atraiu para si mesmo uma réplica encarnada pela mulher, sinônimo de fogo ladrão, que Zeus criou para infernizar a vida dos homens."

Esse trecho foi retirado do livro de Jean-Pierre Vernant, "O universo, os deuses, os homens".

Viva 8 de março! Que a gente consiga manter o bom humor, mesmo com todos os arcebispos excomungantes e com todas as injúrias que ainda acontecem por aí.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Ela

Escuta o que diz a lua, brilhante na noite escura:
- Minha luz é reflexo da tua.

E o que traz a onda, que arrebenta na areia?
Nem sempre a maré vermelha, talvez seja branca espuma...

E a boca que fala tanto, tanto que nem se escuta,
quer te deixar biruta ou beijar a tua boca?

segunda-feira, 2 de março de 2009

Conviver com o diferente

Felizmente não vou precisar inventar teorias pra ensinar meu filho a conviver com o diferente. O mundo já está fazendo a parte dele.

Cada dia cai uma barreira. Primeiro foi o muro do condomínio em que eu morava e não moro mais. Meu prédio não tem vigilância 24 horas e não tem cerca. Brasília não permite muros. Quando chove, às vezes algum passante ou mendigo se abriga debaixo do meu prédio. Adolescentes se reúnem. Um casal de garotas namora. O espaço é público.

M. me contou que Lúcio Costa planejou Brasília com prédios de até seis andares, por que essa é altura da qual a mãe pode chamar o filho da janela. E eu chamo. Minha janela dá vista pro parque.

Tenho vontade de me associar a um clube. Mas dá preguiça. Então vamos nadar no lago, apanhar limão ou amora no pé, dar uma volta de bike pela quadra. Quem é a criança de cidade grande que ainda pode fazer isso? Lógico que um ambiente mais restrito seria mais tranquilo, sem cachorro solto da coleira, sem gente assando churrasco ou querendo dividir a sombra da árvore que você viu primeiro. Mas de novo a habilidade de conviver é posta à prova. Eu também preciso aprender.

Às vezes é difícil explicar por que, podendo pagar, pus meu filho numa escola pública. Não que esteja me sobrando dinheiro para uma escola cara. Mas, como diz o Espanhol Juan Manuel Serrat, parto do princípio que "no hay que confundir valor e precio". A escola é a primeira comunidade. A troco de quê, então, separar os pequenos de acordo com o bolso dos pais? Se existe uma escola pública boa, acho que vale a pena estar nela. Nem que tiver que dormir na fila.

Enfim, acho que não há preço para o convívio com o diferente. Não há por que se limitar. O mundo é grande e cabe inteiro dentro de uma cabecinha aberta, curiosa, e que saiba gostar do que é diferente. E sermos diferentes não é então o que nos faz mais humanos?