quarta-feira, 30 de julho de 2008

Lição infantil

Logo antes do meu pequeno-doce-de-côco dormir, ele solta essa grande idéia, saída não sei de onde:

- Mamãe, 4 meteoros caíram na terra. O último matou os dinossauros para aparecer as pessoas.

Eu, que ando questionando até o tamanho da minha sombra, pensei: se os dinossauros tiveram mesmo que morrer pra surgir o homem, por que tanto medo de romper com o passado e começar de novo, nessa nossa vida curta?

terça-feira, 29 de julho de 2008

Para ouvir direito

Passarinho pousou na minha janela e assobiou Pour Elise. Pensei ser o caminhão do gás. Nem olhei pra trás.

É que tantas vezes foi o contrário. Esperei ver passarinho, dei de cara com caminhão. Ando tão escaldada de auto-ilusão...

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Tristezinha

Ontem derramei lágrima. Vesti o pijama de coitadinha, sozinha nesse mundão sem porteira, perambulei pela casa, demorei a dormir. Oh, céus...

Mas hoje o sol saiu, tomei café, me arrumei e fui encontrar o dia. Lembrei que tudo está bem, mesmo que as minhas tristezas cavem túneis pra sair.

Lágrima caiu na aquarela vibrante, vida ganhou mais um tom.

sábado, 26 de julho de 2008

A fábula das férias

No primeiro dia, caminhei entre árvores floridas e raios de sol que penetram entre os galhos. Vi tudo novo, como da primeira vez. O telefone tocou. Atendi, era do meu trabalho. Depois de muito caminhar, à noite dormi como urso.

No segundo dia, acordei ao meio dia. O telefone tocou, mas eu não atendi. Fiz as malas, entrei no carro, acelerei. A certa altura, meus joelhos dobraram-se para trás e me transformei em cavalo. Cresceram asas nas minhas costas e galopei no ar para o meu destino - Campinas.

Perto de chegar, perdi as patas e tomei forma de pombo-correio. Reuni-me com amigos-pombos, que retornavam de infindáveis viagens. Trocamos histórias e afeto, pizza e chopp, no lugar de sempre. Pombos-correios são muito fiéis ao seu lugar, assim como meus velhos amigos são fiéis à amizade.

A conversa foi longa, o tempo curto, a lua cheia, o sono pouco. Amanheci transformada em lobo - a família reunida em torno da comida. As mulheres-lobo, talentosas como chefs, se encostam a pretexto de cozinhar e lavar, quando querem falar da matilha.

Depois de alguns dias na cidade, deu-se a hora de mudar de ares. No sítio, vigiados por vacas, cães, gatos, galinhas, periquitos, pererecas e outros bichos, tivemos que virar gente. O que foi bom, pois comemos costela assada, derretida na brasa, com cerveja e conversa fiada.

Quase no fim do meu tempo, me desinibi. Fui ver pôr do sol na lagoa, transformada em sucuri. No caminho para casa, uma borboleta amarela pousou nos meus cabelos e me tornei a moça mais bonita de toda a aldeia. Abri o livro "Fábulas italianas" do Ítalo Calvino e lí 100 páginas de uma só vez.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Jogo

O que espera quem joga xadrez? O resultado da partida? Ou é a partida mesma que importa, divertir-se da malícia do adversário e da própria astúcia?

E a criança? Brinca mirando o fim do jogo? A brincadeira interrompe a realidade ou a realidade interrompe a brincadeira? Não é tudo uma coisa só?

E quanto a nós? Qual o resultado esperado do jogo? Quando a seta espetará o alvo? Quem desenhou o alvo? Pra que alvo?

Não interessam os fins, quando a musica toca, a água escorre, o ato se desdobra.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

A Seca

Céu sem nuvens, azul límpido, lua branca - as crateras visíveis à luz do sol. Árvores sem folhas e ipês floridos. É a seca! Brasília é mais bonita nessa época...

Porém somos surpreendidos pela dança invisível de vírus e bactérias suspensos no ar. A garganta dói, o nariz escorre, os lábios trincam, o ar cheira queimado. Ô boniteza ordinária que me deixa doente!

Visite a Galeria de Fotos de Flávio Cruvinel Brandão

domingo, 13 de julho de 2008

Pelo correio

Meu filho reclama que não tem recebido presentes pelo correio. Para piorar as coisas, os últimos pacotes que chegaram eram pra mim: o livro da Maitê, presente do site Não Dois, Não Um (muito obrigada ao Gitti!) e o documento do meu carro que demorou um tiquim pra chegar de Minas.

Falando em presente pelo correio, lembrei-me dos bombons de licor com cereja que minha avó nos enviava nos aniversários. Acho que na época nem existia Sedex. A caixa chegava com um mês de atraso, os bombons todos derretidos do calor, a maior meleca. Mesmo assim, para nós era uma grande festa.

Comentei o assunto com Pat, amigo canadense que também vibrava com as encomendas da avó alemã. Ele sorriu com cara de vitória e disse: in Canada the heat wouldn't be a problem... Claro que não - pensei - os bombons chegariam congelados. Definitely, an ice cream brick would be a good gift! ;-)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Sintonia

De manhã estamos com a corda toda. Ele fala abobrinhas, conta piadas, ri e me faz rir o caminho inteiro.

Após um dia cheio, chego em casa cansada e o clima é bem outro. Ele faz cara séria e conta, solenemente, tudo que aconteceu. Sei lá. Rola uma sintonia de humores.

É verdade que ele me confunde, às vezes acabo rindo do que é sério. Mas fico cada vez mais fã dessa rotina, com Boechat, meu jornalista favorito: careca, inteligente e bonito!

*Quer se divertir também? ouça a Band News 8:45 - Boechat + Zé Simão, é imperdível!

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Reunião de pais

Entramos na salinha enfeitada com figuras, números e letras. Tia Chris é a rainha da festa. Ela conta orgulhosa o progresso dos nossos pequenos, que são muito agitados, mas também inteligentíssimos... Todas babamos, segurando as palmas.

Sobre cada mesinha quadrada de quatro cadeiras, os trabalhinhos do bimestre. Sentamos, as pernas encolhidas. Um caderno com palavras, outro de ciências em que se aprende sobre o ciclo da água e o que mais gosto com desenhos e colagens de São João. Suspiramos admiradas e conversamos baixinho.

Para ouvir a tia Chris, silêncio. Ela explica as fases da alfabetização e diz que nossos meninos estão maravilhados. Nós também ficamos. Hora ou outra uma mãe fala do filho que já lê tudo ou que adora ciências.

O Jardim de Infância é um pequeno mundo. Cada uma de nós vem de um lado da cidade, do trabalho ou de casa, esquecendo preocupações que ninguém imagina. A reunião é uma pausa na corrida do dia. É um prêmio: o filho está crescendo e é bom menino. Saio de lá segurando o riso, curtindo o momento. Foi há tão pouco tempo o primeiro cutucão dentro da barriga e agora o meu pequeno aprende ciências e sabe ler.

sábado, 5 de julho de 2008

Teoria dos conjuntos

Sonhei que você me pegava pela mão e me levava para dentro do seu mundo tridimensional. Eu tinha medo e não queria, tinha taquicardia. Mas assim mesmo eu ia. Seu mundo real, no espelho da minha fantasia, se retorcia. Eu ficava sem ação...

Depois saíamos do seu mundo e entrávamos no meu. Aí era você que não queria, mas mesmo assim você ia e se surpreendia.

E a gente voltava pro mundo que era só nosso e ficava por lá. Nem no meu, nem no seu. Tudo voltava a fazer sentido e a ocupar seu lugar.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Hold infinity in the palm of your hand

Ainda em horário de almoço, M aparece com um livrinho nas mãos, se senta e lê.

"A Voz do Demônio
Todas as Bíblias ou códigos sagrados têm sido a causa dos seguintes erros:
1. Que o Homem possui dois princípios reais de existência: um Corpo & uma Alma.
2. Que a energia, denominada Mal, provém unicamente do Corpo; e a razão, denominada Bem, deriva tão-somente da Alma.
3. Que Deus atormentará o Homem pela Eternidade por haver imantado suas Energias.
Mas, por outro lado, são verdadeiros os seguintes Contrários:
1. O Homem não tem um Corpo distinto da Alma, pois aquilo que denominamos Corpo não passa de uma parte de Alma discernida pelos cinco sentidos, seus principais umbrais nestes tempos.
2. Energia é a única força vital e emana do Corpo. A Razão é a fonteira ou perímetro circunfeérico da Energia.
3. Energia é a Eterna Delícia."

Ele segue lendo também os Provérbios do Inferno, que são vários: "Prudência é uma velha solteirona, rica e feia, cortejada pela Incapacidade". Rimos.

- Ei M, por que você não me dá um livrinho igual a esse?
- Pega! - M estende o braço. Mas é emprestado, pois não é meu, é de O. Traz amanhã...

Folheio o livro, encontro a lápis: "O, inverno de 2008". O livro criou pernas. Saiu da livraria pras mãos de O. De O pra M, de M pra mim.

Trago o livro pra casa. Enquanto a vela queima e espero a notícia, leio.

"To see a world in a grain of sand
And a heaven in a wild flower
Hold infinity in the palm of your hand
And eternity in an hour."

A notícia vem, na eternidade de uma hora. Boa, mas não tanto quanto eu gostaria.
"Jamais saberás o que é bastante se não souberes o que é mais que bastante".

Estou morta de sono. Amanhã o livro volta para M e a guerra continua. Pois "aquele que deseja e não age engendra a peste" e Imprudência é uma garota de 34, cortejada pela Capacidade ;-).

BLAKE, William. O casamento do céu e do inferno & outros escritos. Porto Alegre: L&PM, 2007. 136 p.