segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O que eu quero pra mim

Maça e tomate com cabo, banana verde, cabeça dura de alho. Carne moída na hora, chocolate alpino, manteiga sem sal. Pão integral, café de primeira, vinho seco, água mineral.

Gente que tem estofo, pensa grande e tem coração. Desejos correspondidos, cinco sentidos, comunicação. Quem acha tempo pra tudo, não vê a hora de se chegar. Roteiro aberto, surpresa, falta de ar.

Casa clara, cozinha grande - preparar e papear. Silêncio na madrugada, quebra cabeça pra montar.

Banho de cachoeira, . Não saber de nada, só pra aprender. Escolher o melhor que o mundo tem pra oferecer.

Eu sei o que quero pra mim.

Nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem

Falta do que fazer, excesso de trabalho, tédio, pressão. Abandono, chatices sociais, indiferença, intromissão demais. Não ter a quem culpar, brigas conjugais, dor de cotovelo, falta de paixão. Livro de paulo coelho, excesso de erudição, silêncio, blablablá. Omissão, verdades de lascar, fofoca, falta do que falar. Prisão de ventre, diarréia, comida insossa, má digestão. Anorexia, obesidade, apatia, compulsão. Insônia, sonolência, saudade, aversão. Empolgação, sossega-leão, camisa-de-força, assassinato. Apetece? Faça o prato!


Título roubado do Poema A língua do Nhem, em "Ou isto ou aquilo", da minha ídola Cecília Meireles.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Teimosia

Quero ser como o cerrado, que a língua do fogo torna carvão.
Mas não se dá por rogado. Rebrota.

Fonte da imagem: http://arboretto.blogspot.com/

domingo, 19 de outubro de 2008

Parábola

Era uma vez um escravo chamado Desejo. Vivia nu, pés acorrentados, coveiro dos sonhos irrealizados. A Moral reinava e era seu algoz. Ria-lhe na cara, desprezava seus gemidos.

O reino era ordenado, calmo e feliz. Alheio a duvida. A Moral era uma boa rainha. Somente o Desejo conhecia-lhe a outra face.

Sucede que, numa noite, abrindo a cova, o Desejo se feriu gravemente com a enxada e chorou como um menino. A Moral, ouvindo aquele pranto, ficou muito abalada. Viu, pela primeira vez, inocência no Desejo e resolveu libertá-lo da corrente que lhe prendia os pés.

O Desejo, que sempre fora escravo, mas nem por isso menos criativo, se aproximou. Espelhou, iluminou e finalmente seduziu a rainha Moral. A Moral, que era séria, sorriu. E apaixonou-se pelo próprio sorriso, refletido nos olhos do Desejo.

Viveram por um tempo assim, os dois opostos. Devorando-se mutuamente em segredo de toda a corte que, assoberbada de plantio e colheita, sequer se deu pela falta deles. Foi feliz a Moral em viver o que nem imaginava existir. Foi feliz o Desejo por seu grande feito, morar nos olhos da rainha que só lhe tivera desprezo.

Porém, como todos já advinham, houve o momento da virada. O Desejo era imprevisível e não muito afeito à monogamia. A Moral tinha sede de vida, mas devia ter limites, sob pena de se ver desfeita - perder seu reino e seu trono. Então, dando-se conta disso, ela teve medo. E o Desejo, cujo olfato é de um lobo, sentindo-se ameaçado de voltar ao cativeiro, mordeu a Moral na face e fugiu.

Desde então, a Moral chora. Diz que é de dor, mas sabe que é de saudade. Desde então o Desejo é livre, mas vive exilado.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Amor

Eu te amo. Só não conto como e quando...

amor 1 forma de interação psicológica ou psicobiológica entre pessoas, seja por afinidade imanente, seja por formalidade social 2 atração afetiva ou física que, devido a certa afinidade, um ser manifesta por outro 2.1 forte afeição por outra pessoa, nascida de laços de consanguinidade ou de relações sociais 2.2 atração baseada no desejo sexual; afeição e ternura sentida por amantes 2.3 p.ext. relação amorosa, aventura amorosa; caso, namoro [sabíamos tudo sobre os seus a.] 2.4 p.ext. atração sexual natural entre as outras espécies animais [a regra do a. entre as araras é a fidelidade] 2.5 p.met. o ato sexual [fizeram a. naquela noite] 2.6 afeição baseada em admiração, benevolência ou interesses comuns; calorosa amizade; forte afinidade [a. pelos antigos colegas] 3 p.ext. força agregadora e protetiva que sentem os membros dos grupos, familiares ou não, entre si [a. filial, a. de mãe] (...) 6 fig. devoção de uma pessoa ou um grupo de pessoas por um ideal concreto ou abstrato; interesse, fascínio, entusiasmo, veneração [herdou do pai o a. pelo mar] [a. à pátria] [a. ao teatro] (...) 8 demonstração de zelo, dedicação ou fidelidade [a. ao trabalho] [a. do cão por seu dono] 9 ambição, cobiça (...) a. à primeira vista amor repentino, ao primeiro contato a. carnal aquele que procura a satisfação sexual; amor físico (...) a. de si FIL em Rousseau (1712-1778), afeição natural e primitiva que o ser humano apresenta por si mesmo, origem de toda a moralidade pelo fato de que o indivíduo é capaz de vislumbrar o sofrimento alheio ao recriá-lo dolorosamente em sua própria experiência subjetiva a. livre o que não respeita as convenções sociais ou os preceitos legais a. platônico ligação amorosa isenta de paixão carnal a. socrático afeição homossexual pelo ou por a. de Deus por caridade, por favor(...)

Isso justifica tanta confusão. O amor é variado por definição!

Verbete extraído do Dicionário Houaiss da língua portuguesa - o presente de aniversário ;-)

sábado, 11 de outubro de 2008

Pequena carona na viagem alheia

Fui jantar com um casal de amigos recém chegados de viagem à Grécia. Foram também para a Turquia. Você sabia que foi lá, no Monte Ararat, que a Arca de Noé encalhou após o dilúvio?

Pois meus amigos chegaram cheios de histórias pra contar. "Tudo aquilo que a gente fez questão de não aprender na escola", disse o Loiro. Falou que na Turquia as mulheres ocidentais são muito cantadas e os homens tratados de maneira um tanto áspera.

As mulheres turcas são recatadas e os homens, apesar da rudeza, são carinhosos entre si: se beijam e andam de mãos dadas. Loiro, é claro, não deixou por menos, aproveitou e andou de mão dada com o namorado. Loiro é meu último amigo velho que continua casado.


Esta e outras fotos de Istambul: http://flickr.com/photos/54478688@N00/1252415168

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Medo de avião

Bom tempo longe do mundo virtual. Tragada pela realidade. Ainda espero o sexto trecho de vôo que me levará pra casa. Nunca mais consegui me divertir num avião, depois de choques no ar, falta de freios, explosões. Uma pitada de neurose, moída fina.

Sentir medo faz mal. Ter medo da morte, mesmo que seja o medo irracional de um acidente aéreo, redistribui o grau de importância das coisas. Subo num avião e antes da decolagem penso que tudo o que eu quero na vida é chegar bem ao meu destino. Faço a minha oração torta, de quem não acredita em Deus. Nada mais importa, enquanto a vida fica literalmente suspensa no ar.

As minhas superstições afloram. Avião com criança, embarque de família inteira é bom sinal. Uma voz suave avisando a turbulência, tranquiliza meu coração acelerado. Quando soa o tindón, sorrio ao ouvir o piloto desejar bom fim de semana, ainda no meio do caminho. Depois disso, o avião não pode cair mais. E quando aterrissa me emociono e controlo pra não aplaudir o grande feito, a vida que me foi dada de volta.

Quando eu não tinha medo, viajar de avião era diversão. Agora enseja uma filosofada. Depois de fantasiar tão de perto a morte, pequenas coisas voltam a parecer pequenas. Planos frustrados, dinheiro gasto errado, paixões platônicas, tudo perde um pouco o drama, a sisudez, a gravidade.