terça-feira, 25 de agosto de 2009

A premissa

De acordo com o Houaiss, premissa é, por extensão, ponto ou idéia de que se parte para armar um raciocínio. Ex.: "partir de uma premissa falsa". Por que será que sempre que se fala em premissa é pra constatar que ela era falsa?

Imagino um bebezinho mamando no peito da mãe. Mesmo sem dentes e sem grande raciocínios, ele deve partir da premissa que o leite não acabará nunca. Quando a fome vem, ele chora, e logo tem um bico de peito metido em sua boca. Que mundo... Talvez seja esse o segundo melhor dos mundos, logo depois do quente e úmido mundo embrião.

De vez em quando, conto pro meu guri sobre quando ele nasceu. Desci do carro carregando você. Na mesma hora, bateu um vento e balançou de leve os seus cabelos. Você franziu a cara. Mas por quê? Ele pergunta - só pra ouvir de novo a mesma história. Por que você não sabia o que era o vento, eu digo. Ele ri muito e faz cara de quem não acredita. Meu guri ainda é pequeno e, como todo mundo, não se lembra de quando era um bebê. E parte, também como todo mundo, da falsa premissa de que nunca houve um tempo em que ele não sabia o que era o vento.

Pode haver premissa mais falaciosa de que achar que o tempo não passará? Que não aprenderemos? Que não nos tornaremos substancialmente diferentes do que somos hoje? Tenho visto muita gente argumentar que a essência de uma pessoa não muda. Discordo. Um embrião, vive num mundo perfeito. É perfeito por que é único. Só pode ser aquilo. Não depende dos atos de um embrião, o destino solitário e aguado do mundo em que vive.

Agora, saia da barriga e tome seu primeiro vento. Seja picado de pernilongo. Engasgue com osso de galinha. Leve choque em cerca elétrica. Caia de boca na quina da mesa. Vá pra escola e seja mordido pelo amigo. Faça cocô na calça e volte pra casa de cueca suja. Saia do jardim de infância e vá estudar numa escola sem parque... Em que redoma essa essência vai ter que ser guardada para não mudar frente ao mundo que a provoca?

E aí, mais uma vez, alguém pode argumentar: mas a criança muda, cresce, se forma como indivíduo. Daí pra frente, babau. Julgar-se velho demais pra provar algo tão inusitado como um primeiro vento na testa? Só pode ser também uma falsa premissa.

7 comentários:

Fernando Lyrio disse...

"Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo..."

Saudade de você, Dorinha!
Beijo grande, F.

Amarilis disse...

E eu de você, Fernandinho! Boa surpresa rever dois Fernandos de uma única vez ;-). Beijo.

Mulher Solteira disse...

Bela,
veja lá a minha versão para o seu post sobre o amor e a entrevista com a maria rita kehl... :) Depois de muitas semanas de ruminação!
Beijocas, saudades!

P.S.: seu olhar é nítido como um girassol.

Silvio Garcia Martins Filho disse...

Que delícia de texto! Adorei!

E vc não tem vontade de proteger seu guri de ventos e trovoadas, hein? Eu era tão bom... Quanto mais velho, mais entendo meus pais. (nossa, já fui uma peste).

Amarilis disse...

Oi Mefisto, eu tento proteger, mas nem sempre consigo... Aliás, já to até me acostumando com isso, depois de tantos e tantos episódios! Hahaha.
Beijo.
PS: seja bom! ET-phone-home.

Cel Bentin disse...

Duas parceiras correntes da suspeita assertividade da premissa lendariamente negativa: a convicção e a certeza. Essas três esquecem de que, conforme a direção do vento primeiro, o 'modis olhandi' (rs) se altera. E com ele o valor - ou + da premissa pode bem se descobrir sem premissa anterior alguma...

Celebrado seu texto nas vistas desse camaradinha de coração viciado (em não-premissas) e olhos roxos (namoradores de hortênsias).

Paz e bem pra ti, teu guri e dos amores teus por volta;

Amarilis disse...

Obrigada Bentin pela carinhosa visita. Quero ser grande e incorporar ao meu modis olhandi a incerteza, a desconvicção e a não-premissa. E essas palavras todas ao meu vocabuladiário. Bem-vindo você! Beijo.