segunda-feira, 9 de março de 2009

Pandora ou a invenção da mulher

"Mas as artimanhas da guerra entre Zeus e Prometeu não terminaram. Zeus escondeu o fogo, Prometeu o roubou; Zeus escondeu o trigo, os homens trabalham para ganhar seu pão. Contudo, Zeus ainda não está satisfeito, acha que o fracasso do adversário não é total. Zeus dá uma gargalhada, como gosta de fazer, e lhe reserva mais uma humilhação. Terceiro ato. (...)

A primeira mulher está ali, diante dos deuses e dos homens ainda reunidos. É uma estátua fabricada, mas não à imagem de uma mulher, posto que ainda não existe nenhuma. É a primeira mulher, o arquétipo da mulher. O feminino já existia, porquanto havia deusas. Essa criatura feminina é modelada como uma parthénos, à imagem das deusas imortais. Os deuses criaram um ser feito de argila e água, ao qual imprimem a força de um homem, sthénos, e a voz de um ser humano, phoné. Mas Hermes também põe em sua boca palavras mentirosas, dota-a de um espírito de cadela e de um temperamento de ladra. Essa estátua, que é a primeira mulher, da qual saiu toda a "raça das mulheres", tem uma aparência externa enganadora, tal como certas partes do touro sacrificado ou como o funcho. É impossível contemplá-la sem se sentir maravilhado. Ela possui a beleza das deusas imortais, sua aparência é divina. Hesíodo conta isso muito bem. Ficamos extasiados com sua beleza realçada pelas jóias, o diadema, o vestido e o véu. Dela irradia-se a Kháris, um charme infinito, um brilho que submerge e doma quem a vir. Sua kháris é infinita, múltipla, pollè kháris. Homens e deuses dobram-se ao seu encanto. Mas por dentro esconde-se outra coisa. Sua voz vai lhe permitir conversar e tornar-se a companheira do homem, seu dublê humano. Mas a palavra é dada a essa mulher não pra dizer a verdade e expressar seus sentimentos, e sim para contar mentiras e esconder suas emoções. (...)

Assim, ali está Pandora: luminosa como Afrodite, mas semelhante a uma filha de Noite; feita de mentiras e faceirice. Zeus não cria essa parthénos para os deuses, mas só para os mortais. Assim como se livrara da disputa e da violência enviando-as para os mortais, assim também Zeus lhes destina essa figura feminina. (...)

Por que, segundo os relatos gregos, Pandora, a primeira mulher, tem um espírito execrável e um temperamento de ladra? Isso tem a ver com as duas primeiras partes deste relato. Os homens já não dispõe naturalmente do trigo e do fogo como antes, sem esforço e em permanência. Agora, o trabalho faz parte de sua existência: levam uma vida difícil, apertada, precária. Têm que estar sempre pensando em restrições. (...) Ora, essa Pandora, como todo o génos, toda a "raça" das mulheres que dela sairá, tem justamente a característica de viver insatisfeita, sempre a reivindicar, incontinenti. Não se satisfaz com o pouco que existe. Quer se fartar, ter o máximo. (...) Não só devoram e esgotam todas as reservas, mas é essa a razão principal que leva a mulher a tentar seduzir um homem. O que ela quer é o celeiro. Com a habilidade de seu discurso sedutor, de seu espírito mentiroso, de seus sorrisos e de sua "anca empetecada", nas palavras de Hesíodo, ela faz para o jovem solteiro suas poses de sedutora, mas na verdade está de olho na reserva de trigo. E todo homem, como Epimeteu antes dele, fica boquiaberto, maravilhado com a sua aparência, e se deixa agarrar.

Se Prometeu urdiu uma artimanha para roubar o fogo de Zeus, atraiu para si mesmo uma réplica encarnada pela mulher, sinônimo de fogo ladrão, que Zeus criou para infernizar a vida dos homens."

Esse trecho foi retirado do livro de Jean-Pierre Vernant, "O universo, os deuses, os homens".

Viva 8 de março! Que a gente consiga manter o bom humor, mesmo com todos os arcebispos excomungantes e com todas as injúrias que ainda acontecem por aí.

Um comentário:

pedro mendonça disse...

Lembre-se mulher, quem escreveu a história foram os homens.